O plenário do STF decidiu, em sessão virtual, que não é válida prova obtida mediante abertura, sem ordem judicial ou fora das hipóteses legais, de carta, telegrama, pacote ou meio análogo, ante a inviolabilidade do sigilo das comunicações prevista na CF.
Os ministros, por maioria, seguiram o voto do ministro Edson Fachin, que, embora tenha seguido o relator quanto ao reconhecimento da ilicitude da prova, teve fundamentação diversa, no que foi acompanhado por outros quatro ministros: Toffoli, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Gilmar Mendes.
Sobre a matéria, que tem repercussão geral reconhecida, Fachin propôs a seguinte tese:
"Sem autorização judicial ou fora das hipóteses legais, é ilícita a prova obtida mediante abertura de carta, telegrama, pacote ou meio análogo."
O caso
No caso concreto, um policial militar da Defesa Civil do Paraná, durante o expediente, deixou no Protocolo Geral do Palácio Iguaçu uma caixa para remessa pelo serviço de envio de correspondência da Administração Pública.
Os servidores públicos responsáveis pela triagem, desconfiados do peso e do conteúdo da embalagem, abriram o pacote e constataram a existência de 36 frascos com líquido transparente. Após perícia, ficou constatado que os frascos continham substâncias entorpecentes sujeitas a controle especial.
O juízo do Conselho Permanente da Justiça Militar da Comarca de Curitiba condenou o policial a três anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituídos por penas restritivas de direitos, em virtude da prática de tráfico de drogas cometido por militar em serviço.
A defesa sustentou a ilicitude da prova, em razão da inviolabilidade constitucional da correspondência. Na sentença, o juízo concluiu pela impossibilidade de o sigilo de correspondência legitimar práticas ilegais e destacou não estar em jogo a proteção da intimidade, pois não houve violação de comunicação escrita ou de conteúdo que veiculasse manifestação de pensamento. Assentou que a caixa, por qualificar-se como encomenda, não está inserida na inviolabilidade prevista na CF (artigo 5º, inciso XII).
O TJ/PR também considerou a prova lícita e negou provimento à apelação interposta pela defesa.
No recurso interposto ao STF, a defesa reitera a tese de inviolabilidade da correspondência, aponta ofensa ao artigo 5º, incisos XII e LVI, da Constituição e pede a absolvição do militar.
Voto do relator
Para o relator, ministro Marco Aurélio, a inviolabilidade da correspondência versada no artigo 5º, inciso XII, da CF abrange comunicações entre pessoas, sejam elas realizadas mediante carta, telegrama, pacote ou meio análogo. O dispositivo, para o ministro, não abre campo a controvérsias semânticas. "Descabe relativizar a garantia."
"Não vivêssemos tempos estranhos seria desnecessário discutir se a inviolabilidade a envolver a intimidade, a privacidade e a livre expressão deve ou não ser flexibilizada. É inadequado manejar argumentos metajurídicos – no caso a suspeita quanto ao conteúdo do pacote –, no afastamento de garantia constitucional cujos contornos devem ser preservados."
O ministro destacou que o material aberto e apreendido estava protegido pela garantia constitucional e que, se existia suspeita, deveria ter sido buscada a via adequada de acesso ao conteúdo – qual seja, ordem judicial fundamentada, e não a violação. "É esse o preço que se paga por viver em um Estado Democrático de Direito."
Assim, votou por dar provimento ao recurso, assentando a ilicitude da prova. O relator propôs a seguinte tese:
“É ilícita a prova obtida mediante abertura, sem ordem judicial, de carta, telegrama, pacote ou meio análogo, ante a inviolabilidade do sigilo das comunicações”.
Marco Aurélio foi acompanhado integralmente pelo ministro Lewandowski.
Fundamentação distinta
Em seu voto, o ministro Edson Fachin observou que, no caso concreto, segundo relato do próprio tribunal de origem, a correspondência foi violada sem que fossem adotadas as cautelas legais, e sem que o ato fosse precedido de autorização judicial.
Assim, acompanhou o relator quanto ao entendimento pela ilicitude da prova. Mas o ministro apresentou entendimento e fundamentação distintos. Para ele, a interpretação que tradicionalmente se faz do dispositivo constitucional em questão reconhece que seria possível ao legislador definir hipóteses fáticas em que a atuação das autoridades públicas não seriam equiparáveis à violação do sigilo.
Ele citou o Regulamento dos Telegramas de 1901, segundo o qual "não terão curso nas linhas telegraphicas da União os telegramas contrários às leis do paiz, à ordem pública, à moral e aos bons costumes, e bem assim aquelles que contiverem notícias alarmantes, cuja falsidade seja reconhecida", e a Constituição de 67, com idêntica garantia. Citou, ainda, regulamento dos Correios, o qual também prevê hipóteses em que a abertura de carta visa assegurar o funcionamento regular dos correios.
Quanto à CF/88, destacou que o sigilo de correspondência deve ser lido à luz dos direitos previstos nos tratados de direitos humanos e, consequentemente, na interpretação a eles dada pelos órgãos internacionais de aplicação – sendo que esta dispõe da necessidade de previsão legal de eventual restrição à inviolabilidade.
Propôs, assim, a seguinte tese:
“Sem autorização judicial ou fora das hipóteses legais, é ilícita a prova obtida mediante abertura de carta, telegrama, pacote ou meio análogo.”
A posição de Fachin foi acompanhada pelos ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Gilmar Mendes.
Divergência
O ministro Alexandre de Moraes apresentou voto divergente. Para ele, o dispositivo da CF dá margem a diversas interpretações, e nenhuma liberdade individual é absoluta.
Assim, propôs a seguinte tese:
"É lícita a prova obtida por meio de abertura de encomenda postada nos Correios quando houver fundados indícios da prática de atividades ilícitas."
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